Decidi procurar alguns poemas de Vinicius de Moraes e tropecei num texto seu que achei extremamente bonito...
Neste momento era capaz de fazer minhas as suas palavras:
"Procura-se um amigo.
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive."
Vinicius de Moraes
“Oh não… Seis da manhã, já?!” Adormeci por mais alguns minutos, o que resultou que tivesse de me preparar a correr. Pelo caminho encontrei um colega e, de que me valeu? Bem, fiquei a saber que afinal tinha uma estação de metro a 30m. Mas por alguma razão eu ignorava-a e ia para outra que fica a 200...! Pelo menos fiquei a sabê-lo na primeira semana.
Quanto às aulas continuam como sempre, bem dispostas, com bastante interacção. Ao final apercebi-me que espanhóis e italianos criaram uma rotina diária: “la hora de la cerveza”. Acompanhei-os para relaxar no Princess of Wales enquanto eles desgustavam as suas Carlsberg.
Porque é que quando se aprende uma nova língua, informalmente, a primeira coisa que se pergunta é calão? Além disso, os espanhóis resolveram dar dicas, aos italianos, do que dizer a uma rapariga, caso eles fossem a Espanha. Explicando-lhes que com aquilo “ficavam a comer na sua mão”. Eles ouviram, repetiram e memorizaram. No final a única espanhola deve ter tido pena para lhes explicar que com aqueles… piropos, o melhor que poderiam conseguir era um par de bofetadas!;)
No fim, voltei para casa, e não saí. Estou farta de andar em museus depois de acordar às 4h e três dias seguidos às 6h. O melhor remédio é sem dúvida a minha querida siesta! :)
Pensamento do dia: “How do you call a beautiful girl in London? (…) A tourist!” – dito pelo meu professor! ;)
Quarta-feira, 13 de Maio de 2009. São 0h06 minutos.
A madrugada chegou. Viro a página da minha agenda e a data faz-me pensar. Sobre a minha cama fecho os olhos e afasto a pesada cortina do tempo. Já de lado, desvenda-me parte de um filme levemente empoeirado pela memória de há tempos idos.
Vejo duas meninas.
Cabelos de oiro e cabelos de avelã. Um fato-de-treino e uns ténis; um vestido e umas sandálias… Corações tão parecidos…
Passeiam-se numa qualquer rua pequena, num passo de quem vai a caminho da escola, ou num passo de quem se dirige aos repuxos, novos em folha, para correr entre eles. Tanto faz qual é o passo… A vida não lhes dá preocupações.
Chego perto e ouço-lhes o diálogo. Riem da manhã já passada, tagarelam sobre importantes trivialidades e fazem de adivinhas do seu futuro:
- Vai ser tão bom quando tivermos dezoito anos! – começa a primeira.
- Eu mal posso esperar – sorri – Já imaginaste? Fazer tudo o que quisermos? Ser independentes? – um novo sorriso desenhado pelo sonho da ilusão.
- E vamos tirar a carta!
- E depois vamos para a universidade…!
- Ai aí é que vai ser altamente! Arranjamos uma casa no Porto e vamos para lá estudar e morar juntas!
- Pois é! Pois é! Fogo, nós a morar juntas, no Porto… Vai ser o máximo.
- Ah.. e mesmo que não fiquemos juntas vamos fazer imensas festas e vamo-nos visitar!
- Claro!! Vai ser tão fixe…
O dialogo perde volume à medida que se afastam… Não as sigo. Afinal elas não têm nada para fazer. Provavelmente estão agora a dirigir-se àquela loja de jogos, onde vão colocar as mãos em forma de concha sobre a montra, combatendo o sol que lá se projecta, com a ansiosa esperança de ver lá a nova chegada. Ou vão então a caminho da loja de animais, onde entre uma espreitadela e outra vão sonhando com um dos pequenos que lá se encontra.
… De facto têm razão aqueles que me dizem que a vida está para os jovens.
“Quando tivermos dezoito anos…” A frase repete-se na minha mente, como que a recordar-me de uma promessa que ficou por cumprir. É a memória a convidar a nostalgia a instalar-se… Investem uma vez mais, ambas, com a recordação e eu forço-me a reagir.
“Ficaste muito tempo adormecida, memória. Os dezoito já são teus; por aqui avizinham-se os vinte.”
Recoloco a tampa da memória mas ela faz-me olhinhos… Cedo para mais um flash-back.
De novo as mesmas personagens. Já o esperava...
A noite caiu e o corpo acusa-lhes as horas de dança. Já passou o debate sobre o canto de um pássaro às quatro da madrugada… Fala-se agora de coisas mais sérias. Debruço-me um pouco mais, mesmo a tempo de ouvir…
“… e então ele - ”
Silêncio.
Mais silêncio.
Cinco segundos.
Seguem-se sussuros de um nome; um pedido de explicações… e explicações dadas.
Risos abafados, imensos – autêntica felicidade.
A madrugada tem esse poder sobre elas. É a madrugada e as espécies de primatas, daqueles que Darwin estudava. Ou seriam tentilhões?
Sou eu, no presente, quem agora sorri. As memórias têm esse poder.
Abro os olhos e suspiro.
O leque de imagens para escolher é grande e variado… Mas os quase vinte começam a pesar e a vida já não é só feita de despreocupações.
“Vá, mais uma…” penso.
Cerro os olhos, de novo.
Duas pequenas figuras despedem-se, lá no alto, da vista sobre a cidade, naquele Sábado de manhã. São elas, claro.
A figura de pedra branca, imóvel, fica para trás enquanto as duas se lançam à aventura pela estrada.
Descem nas suas bicicletas a uma velocidade desmedida… alheias a tudo. O perigo não existe. Só existe aquele êxtase. Felicidade e aquele vento a bater no rosto, fresco, puro, são…
Reabro os olhos.
Fico-me por aqui. Hoje quero adormecer com esta recordação: Sentir-me de novo a menina dos cabelos de avelã com a amiga dos cabelos de oiro.